“as artes não são nem um bem consumível,
nem um serviço; fazem parte de um contrato" (PICK apud DOMINGOS, 2010, p.
8)
APRESENTAÇÃO
Existe receita que garanta público
nos espetáculos?
Em
2003, a convite de um colega de escola, decidi entrar para o grupo de teatro e
nunca mais saí. Passei a "consumir" teatro como espectador e como
ator, desde então. Antes disso, o teatro me chamava pouca atenção. Foi preciso
um convite, um "boca-a-boca" para despertar meu interesse de ir ao
teatro. Sabe por que eu não tinha interesse pelo teatro? Porque eu não o
conhecia. O teatro não fazia parte da minha cultura nem a da minha família.
Já
no grupo de teatro, nosso primeiro desafio: montar uma peça para participar de
um festival de teatro na escola e levar público à sessão. Pensamos em várias
estratégias, começando com o tradicional convite aos amigos mais próximos. Mas
não era o suficiente. Precisávamos lotar um teatro com mais de quinhentos
lugares. Como não tínhamos dinheiro, partimos então, sem saber, para uma
estratégia de marketing guerrilha. Elaboramos um esquete, que era na verdade
uma cena chave da peça, e fomos de sala em sala apresentando esta cena. Ao
final, fazíamos o convite a todos os alunos para ir nos assistir no teatro.
Além disso, elaboramos um painel no saguão, próximo à cantina - área com
bastante circulação de alunos - com colagens de objetos que remetiam ao enredo
do espetáculo. Resultado: sessão lotada e prêmio de Melhor Espetáculo de Acordo
com o Júri Popular no festival.
A
quantidade de pessoas no dia da peça, o prêmio da escola do público no
festival, sem dúvida, sem que soubéssemos à época, foi resultado de um plano de
comunicação publicitária. Desde então, entendi que o marketing é um mediador
entre o público e o espetáculo teatral. O marketing e suas ferramentas de
divulgação, na maioria das vezes, chega primeiro no público do que o espetáculo
em si. Cabe à publicidade o convencimento e a efetivação do
"contrato" entre público e obra.
O desafio que as organizações e os
marketeers culturais enfrentam é o de “tornar um produto cultural num objecto
de desejo e fazê-lo chegar às pessoas que nunca o procurariam”, escolhendo,
para tal, os meios que mais retorno possam trazer à instituição. (MÂNTUA apud
DOMINGOS, 2010, p. 5)
Quando
cheguei na idade de prestar vestibular, optei por estudar "Comunicação
Social" com habilitação em "Publicidade e Propaganda". Na
verdade, foi o curso disponível em meu estado, Mato Grosso, que acreditei ser o
mais próximo das artes cênicas.
Formei-me
em Publicidade, trabalhei em algumas agências de propaganda, trabalhei com
marketing político e até em comunicação institucional de órgão público. Porém,
sempre buscando aliar meu emprego formal com meu trabalho no teatro,
aperfeiçoando as técnicas de marketing para informar e convencer o público a ir
ao teatro assistir meus espetáculos.
A
questão inicial desse trabalho nasce dessa minha experiência com ambas as
áreas, aliada ao fato de que não há receita que garanta público no teatro, mas
acredito ser possível utilizar as ferramentas do marketing, em especial da
publicidade, para converter público alvo em vendas de ingressos. Essa questão é
ainda mais vital quando os grupos dependem da bilheteria de seus espetáculo,
como é o caso do meu grupo de teatro, o Pessoal do Ânima.
Objetivos
Este
trabalho pretende, além de conceituar e traçar estratégias que possam servir de
esteio para grupos de teatro, produtores culturais e interessados, realizar um
estudo de caso da estratégia de divulgação do espetáculo do "Segredos de
Liquidificador" do grupo Pessoal do Ânima.
Metodologia
Primeiramente,
fiz uma pesquisa conceitual acerca dos termos "marketing", "mediação",
"publicidade" e "teatro".
Essa
pesquisa de cunho exploratório se apoiou em análises documentais,
bibliográficas, incluindo artigos de internet, buscando sistematizar o assunto
desenvolvido por outros autores de forma a atingir os objetivos propostos.
A
etapa seguinte será analisar as estratégias de divulgação do espetáculo
"Segredos de Liquidificador" do grupo Pessoal do Ânima e procurar mensurar
resultado por meio de uma pesquisa direta, por meio de formulário aplicado ao público
do espetáculo nos dias de sessão.
O espetáculo Segredos
de Liquidificador
Segredos
de Liquidificador é um espetáculo de humor, no estilo "esquetes" que
teve sua estreia em 2006. O espetáculo atualmente é o carro-chefe do grupo
mato-grossense Pessoal do Ânima.
O
formato é simples: sem cenário, apenas uma arara de figurinos exposta no centro
do palco, os atores de cara limpa e roupas pretas, sentadas em frente à
audiência, revezam personagens de humor que tratam de situações que vão do
cotidiano ao excêntrico.
O
espetáculo nasceu em um momento de dificuldades para o grupo. Momento em que
uma cisão interna deixou o grupo com poucos integrantes e pouco recurso. Sendo
assim, os idealizadores da peça tiveram a ideia de realizar um espetáculo
composto pelos esquetes curtos que realizavam em suas oficinas experimentais de
teatro. Os figurinos eram sobras de espetáculos antigos do grupo, que
entulhavam o espaço de ensaio.
A
primeira sessão foi de graça, do teatro da escola, e o grupo com receio de
estar apresentando algo inacabado, chamou a sessão de ensaio aberto. O sucesso
foi tanto que o espetáculo passou a ser um divisor de águas no grupo, que
deixou de ser quase que exclusivamente um grupo de escola para se firmar no
cenário das artes cênicas mato-grossense. Hoje, o grupo é independente, tendo
se apresentado em todos os principais teatros do estado e até fora dele.
O
espetáculo foi o primeiro no estado a gravar "teasers" promocionais,
os famosos virais, e utilizá-los nas redes sociais como estratégia de
divulgação.
O
espetáculo está há mais de um ano sem entrar em temporada e o grupo planeja uma
temporada especial para comemorar os dez anos da peça. Por isso, aproveitando a
oportunidade, realizarei um estudo de caso sobre a estratégia de divulgação que
o grupo irá realizar junto a sua equipe de marketing. Documentarei essa
estratégia e buscarei mensurar resultado por meio de formulários junto à
plateia nos dias de espetáculo, buscando saber deles por quais meios ficou
sabendo do evento. Esse formulário traçará um panorama da assertividade da
estratégia publicitária do espetáculo.
O grupo de teatro
Pessoal do Ânima
O Pessoal do Ânima foi fundado na então
Escola Técnica Federal de Mato Grosso em 1987 por Gilberto Nasser e sua atual
formação surgiu em 2003, durante o 6° Fest Ânima – Festival de Teatro do IFMT
(antiga Escola Técnica), com a peça "Hã, alienada, eu?!", recebendo
os prêmios de melhor espetáculo do júri popular e melhor criatividade.
A atual formação idealizou comédia “Segredos
de liquidificador” em 2006 e o musical "As Bruxas de Oz" em 2013.
adaptado do livro clássico "O Maravilhoso Mágico de Oz" pelo próprio
grupo.
Ao longo de sua fundação, o Pessoal do Ânima
já contabilizou mais de cinquenta espetáculos, entre adaptações e textos
originais. O grupo é conhecido no estado por ser um celeiro de talentos,
revelando grandes nomes das artes regional, como André D'Lucca, Sandro Lucose,
J. Astrevo, Lioniê Vitório entre outros.
Atualmente, o grupo é independente, não
mantendo mais nenhum vínculo com a Escola Técnica (atualmente IFMT). O grupo
tem se tornado bastante popular por seus espetáculos de humor e seus musicais
infanto juvenis.
A comédia é um traço marcante do Pessoal do
Ânima, sobretudo o espetáculo "Segredos de Liquidificador" que
satiriza os "tipos" sociais da região, dando vida a personagens
icônicos como a sexóloga Penélope Pê, a socialite Liegy, o pescador Xô Dito, a
menina Janayara e até mesmo a versão escrachada da Chapeuzinho Vermelho.
Mas afinal, o que é marketing?
O
marketing pode ser entendido como o conjunto de estratégias de venda de bens ou
serviços ao público final. Isso implica dizer que, no teatro, marketing envolve
tudo, desde a "arte" do espetáculo até o preço do ingresso.
Para um dos principais teóricos do assunto,
Philip Kotler (2203) “Marketing é um processo social e
gerencial pelo qual indivíduos e grupos obtêm o que necessitam e desejam por
meio da criação e troca de produtos e valores.”.
Ou
seja, o marketing agencia essa "troca" entre produtor e consumidor,
sendo que este primeiro, no caso do teatro, são os teatreiros e o último o
público alvo. Se é uma troca, pressupõem-se um benefício mútuo. Kotler ainda
define:
1. O marketing procura o
equilíbrio entre a oferta e a demanda.
2. Marketing não é a arte de
descobrir maneiras inteligentes de descartar-se do que foi produzido. Marketing
é a arte de criar valor genuíno para os clientes. É a arte de ajudar os
clientes a tornarem-se ainda melhores.
3. Marketing é a função
empresarial que identifica necessidades e desejos insatisfeitos, define e mede
sua magnitude e seu potencial de rentabilidade, especifica que mercados-alvo
serão mais bem atendidos pela empresa, decide sobre produtos, serviços e
programas adequados para servir a esses mercados selecionados e convoca a todos
na organização para pensar no cliente e atender ao cliente. (KOTLER, 2010,
disponível em < http://merkatus.com.br/10_boletim/18.htm>)
Essas definições
de Kotler são importantes para nos ajudar a chegar a alguns raciocínios, em
especial ao item 2 supramencionado. Se "Marketing não é a arte de
descobrir maneiras inteligentes de descartar-se do que foi produzido"
(KOTLER, 2010), então eu não posso admitir estratégias que ludibriem o público
alvo com o único objetivo de vender ingressos. O marketing precisa entender a
essência do espetáculo e transportá-lo ao público alvo sem ruídos. Afinal, não
adianta ter uma plateia cheia de gente insatisfeita, achando ter comprado
"gato por lebre". Por isso, definir o público alvo é primordial para
qualquer estratégia de divulgação. Você precisa identificar sua audiência para
falar na língua dela em sua divulgação.
E é nesse
sentido que procuro definir um marketing voltado ao teatro como um facilitador
entre público e obra. Aliás, o conceito de mediador se aproxima muito do papel do
marketing.
A
noção diz respeito a um profissional ou instância empenhados em promover a
aproximação entre as obras e os interesses do público, levando em conta o
contexto e as circunstâncias. (PUPO, 2011, p.114)
Trata-se
de um conceito bastante amplo, que inclui diversos profissionais e entidades que
possuem como objetivo comum o estimulo ao acesso do público às obras
artísticas. Para que essa mediação ocorra faz-se necessária um conhecimento
aprofundado do mediado acerca da obra, de seu contexto, do artista e do público
alvo. Ao mediador fica a incumbência de promover, além da simples presença do
público na obra, o distanciamento necessário para que haja o abandono
necessário à experiência artística.
Desgranges,
por sua vez, citando o sociólogo Roger Deldime, define mediação como “qualquer
ação que ocupe o que por alguns autores é chamado de terceiro espaço, aquele
existente entre a produção e a recepção” (DESGRANGES, 2008, p. 76). (ABREU,
2015, p. 59)
É
preciso destacar o lado “publicitário” de um mediador, quando este é o
responsável por levar o público ao contato da obra. Se me permite o
perlocutória, eu, que sou publicitário formado, sempre me vejo no papel desse
mediador que precisa criar mecanismos que criem o interesse do público-alvo aos
espetáculos teatrais do meu grupo. É uma das vertentes do trabalho de mediador,
embora nenhuma delas possa garantir a experiência estética, já que esta depende
de “princípios ligados ao sujeito
(reflexividade, subjetividade e transformação) e à obra (exterioridade,
alteridade e alienação)” (ABREU, 2015).
CONCLUSÃO
O
desafio de levar a plateia até o teatro percorre diversas variáveis. O caminho entre
tomar conhecimento de determinada peça, ter interesse, adquirir os ingressos e ir,
efetivamente, na hora e local marcados podem ser considerados termos de um contrato
entre público e produtores do espetáculo em questão.
O
marketing e suas ferramentas podem auxiliar nesse papel de facilitar o acesso do
público ao teatro, considerando todas as questões desde preço de ingresso, mercado,
contexto do público alvo. Não se trata única e exclusivamente de criar uma campanha
publicitária "chamativa" que pressupõe, muitas vezes, em um grande investimento
financeiro. Mas sim, identificar o público de interesse, levar a seu conhecimento
a ideia da peça, definir valores de ingressos acessíveis, efetivar a venda dos ingressos
e mais: criar um canal de ouvidoria desse público para captar suas impressões acerca
do evento.
Esses
são alguns dos objetivos que se pretende com essa pesquisa e que precisa ser desdobrado
em outros conceitos até ser efetivado em um estudo de caso que demonstre, como vias
de fato, o marketing teatral aplicado na prática e seus resultados.
Faz-se
necessário ainda conceituar: teatro, marketing tradicional, marketing digital, maketing
de guerrilha, plano de comunicação, estratégia de comunicação publicitária, ideia
criativa, planejamento de mídia e não mídia.
É
necessário ainda, elaborar um formulário para ser entregue na porta do espetáculo
durante as sessões de "Segredos de Liquidificador", questionando o público
sobre quais meios de divulgação os levaram até o espetáculo, buscando assim, mensurar
resultados das estratégias de marketing utilizado pelo espetáculo em questão.